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terça-feira, 16 de abril de 2024

A pílula da ilusão

 Muitos brasileiros conseguem intuir, pela vasta experiência, que é sempre bom desconfiar de políticos e de seus atos, porém, incoerentemente, parecem viver na ilusão de que “os políticos não prestam, mas o governo pode me dar tudo”. Essa visão é inaceitável, por ser logicamente equivocada. Se os políticos nos inspiram desconfiança, como podemos confiar no governo, ou, mais amplamente, no Estado, sabendo que ambos são controlados direta ou indiretamente pelos políticos? É um contrassenso. A verdade é que precisamos de todos — dos políticos, do governo e do Estado —, mas precisamos tê-los sempre sob o nosso controle, para não corrermos o risco de nos devorarem.

Para explicar essa afirmativa, que tal voltarmos ao início de tudo? Desde que passou a viver em sociedade, o homem percebeu que se via obrigatoriamente diante de um dilema. Na metáfora de Homero, ele deveria navegar entre dois monstros, alojados um de cada lado do Estreito de Messina, que liga os Mares Tirreno e Jônico e separa a Calábria da Sicília: Scylla, que usava suas seis cabeças para atacar quem estivesse no convés, e Charybdis, uma criatura protetora do mar que provocava turbilhões para afundar qualquer embarcação. Ou seja, nossos ancestrais mais remotos se defrontaram com uma escolha bastante difícil: viver em isolamento, o que lhes garantia liberdade total, mas lhes vedava desfrutar as vantagens da divisão do trabalho e, por isso, limitava o progresso; ou viver em grupos, em pequenas sociedades primitivas, o que lhes restringia a liberdade, mas gerava incontestáveis benefícios, entre os quais a segurança.

A fórmula encontrada para conciliar o impasse foi criar uma espécie de acordo ou consenso comunitário, que implicava cessão de parte da sua liberdade em troca de garantias aos direitos individuais básicos, para que os mais fortes, inteligentes, capazes e perspicazes não dominassem os mais fracos, néscios, incapazes e broncos, o que resultaria na concentração do poder em mãos de poucos. Essa é, em síntese, a origem do Estado e de seu braço executivo, o governo: para evitar que alguém ou algum grupo se transformasse em opressor dos demais, nossos antepassados optaram por viver em sociedades, e isso os levou a aceitar a existência de um ente teoricamente neutro, equidistante e preocupado em zelar pelos interesses de todos, pelo dito bem comum dos cidadãos. Belas palavras, sem dúvida, e muitas pessoas acham bonito descrever esse acordo tácito como contrato social. (Porém, se você se der ao trabalho de pesquisar na internet e em todos os cartórios, duvido que encontre esse documento escrito, com assinaturas e firmas reconhecidas.)

Conquanto a maneira de conciliar o referido dilema seja bastante antiga, a hipertrofia que o Estado experimentou, especialmente a partir do século 20, fez com que aquele ente que nascera para prevenir um mal — o abuso de poder pela força física por parte de poucos indivíduos — acabasse produzindo outro, maior: a concentração de poder político, econômico e cultural em suas mãos. Liberais clássicos e minarquistas (nome que se dá aos defensores do Estado mínimo) não advogam que o Estado não deve ser “forte” e muito menos desejam extingui-lo, mas entendem que a extensão de seus poderes deve ser severamente limitada, uma vez que seu ethos não pode ser separado do respeito à liberdade individual responsável como um bem natural e ligado ao supremo direito à vida, o que nos conduz à defesa do papel que a lei deve desempenhar para garantir a liberdade e os direitos de todos. Para os liberais clássicos, o Estado deve ser contido tanto quanto possível, limitando-se à manutenção de instituições indispensáveis e, além disso, as regras que o regem devem ser estabelecidas como normas gerais de justa conduta. Quando os comandos ou ordens prevalecem sobre a lei negativa — a common law —, os cidadãos tornam-se servos do Estado e caem no que Hayek chamou de caminho da servidão.

Tendo essa necessidade fundamental de comedimento do poder em mente, é importante refletirmos sobre cinco pontos a respeito da natureza do Estado: 1) a tese de que “o governo somos nós”, em decorrência do poder do nosso voto, na prática, é questionável e na verdade contém um forte componente retórico; 2) o Estado não é uma associação voluntária, como um clube ou um sindicato, mas uma organização que procura manter o monopólio do uso da força e da coerção em uma determinada área territorial; 3) tampouco é verdadeira a noção, algo mística, de que o Estado é uma grande “família humana”, que se reúne aos domingos em torno da mesa de almoço para solucionar os problemas de todos: na verdade, nada nos impede de enxergá-lo também como um canal legalizado para a apropriação, mesmo que parcial, da propriedade privada, uma instituição natural fundamental e anterior à sua própria criação; 4) é falaciosa a ideia, ingenuamente difundida entre economistas, políticos e intelectuais ditos progressistas, de que o Estado, sempre que intervém na economia e na nossa vida, o faz movido por boas intenções e “motivos superiores”, corrigindo falhas do mercado desalmado e preocupado permanentemente com o bem de todos; e 5) o Estado é composto de seres humanos e, portanto, reflete suas fraquezas, entre as quais a de se interessar mais por assuntos de alcance particular e pela preservação do poder do que pela busca do bem comum.

Por esses motivos, que parecem ser incontestáveis — noves fora a credulidade ingênua e a necessidade de negá-los para preservar ou ganhar poder —, as instituições devem ser modeladas com o objetivo de garantir a contenção do poder do Estado sobre os indivíduos. Convido o leitor a refletir sobre o que escrevi acima e acredito que chegará à conclusão de que o Estado não é nosso dono, nem tampouco nosso pai ou tutor; é nosso empregado e, além disso, vive às nossas custas. No dia em que os cidadãos chegarem à constatação tão simples de que o mecanismo de poder cerceia as suas liberdades, teremos o mundo que as pessoas de bem e que prezam a vida, a liberdade e a propriedade almejam.

A democracia não pode ser encarada como um fim, e sim como um meio — imperfeito, mas sem dúvida o melhor até hoje encontrado — para garantir os direitos dos cidadãos e protegê-los dos predadores habituais, os dragões do poder.

Os liberais têm razão quando colocam em primeiro plano que em regimes efetivamente democráticos as instituições devem contemplar mecanismos fortes de contenção do poder. Hayek analisou esse problema talvez melhor do que qualquer outro e não estava se referindo apenas a ditaduras, uma vez que existem democracias em que há uma concentração exagerada de poder. Quando isso acontece, as instituições e o próprio contrato social precisam ser revistos. E esse é nitidamente o caso do Brasil destes dias estranhíssimos que estamos vivendo. É impossível negar que os Três Poderes estão falhando em assegurar o que minimamente deles se espera e se deve exigir e que, portanto, o sistema como um todo está carecendo de ajustes, uma vez que o desejável balanceamento dos famosos freios e contrapesos não está prevalecendo e que estamos assistindo a uma concentração de poder em pouquíssimas mãos como jamais aconteceu em toda a nossa história. Não estou me referindo apenas ao Judiciário, mas também ao Legislativo e ao Executivo. Estamos diante de um problema sério.

A democracia não pode ser encarada como um fim, e sim como um meio — imperfeito, mas sem dúvida o melhor até hoje encontrado — para garantir os direitos dos cidadãos e protegê-los dos predadores habituais, os dragões do poder. No entanto, para que desempenhe satisfatoriamente as suas finalidades, precisa de arranjos institucionais adequados, para que não seja um simples rótulo, tal como, por exemplo, na antiga República Democrática Alemã, ou na República Popular Democrática da Coreia, nomes bonitos para ditaduras comunistas.

No filme Matrix há uma famosa cena em que o personagem Neo é levado a escolher entre tomar uma pílula azul e manter-se vivendo na ilusão ou tomar uma pílula vermelha (red pill) e defrontar-se com a realidade. Dada a baderna institucional que estamos presenciando no Brasil, quem acredita que estamos vivendo em uma democracia plena está sinalizando claramente — por ingenuidade, problemas sérios com neurônios ou por simples acomodação — que escolheu a pílula azul. Basta acompanhar o dia a dia para detectar a presença de uma grande crise nas instituições e concluir que o melhor que se pode dizer de nossa democracia é que é “relativa”.

É preciso frisar o papel vergonhoso da velha imprensa, ao incentivar incansavelmente o consumo da pílula azul da fantasia, quando afirma que está tudo normal; que a Constituição está sendo respeitada; que a nossa democracia é “pujante”; que o povo está bem representado; que se algo está errado é por culpa exclusiva da “extrema direita” (expressão que esfrega despudoradamente na cara de quem quer que não se alinhe ao que classifica como “progressismo”); que a economia está em ordem; que não existe doutrinação política nas escolas e universidades; que não existe perseguição a opositores nem a jornalistas; e que não há pessoas mantidas em custódia por razões políticas. Existe um esforço enorme de desinformação, que equivale a intoxicar a população com a pílula azul, levando-a a crer que a concentração desproporcional de poder em pouquíssimas mãos que se pode constatar diariamente é a coisa mais natural do mundo.

Para um viciado, ou melhor — para sermos politicamente corretos —, para um “usuário” de pílulas azuis, não há nada de errado com a ingerência permanente do Judiciário em assuntos que nem remotamente lhe dizem respeito; com inquéritos que muitos juristas vêm classificando há bastante tempo como ilegais; com cassações de mandatos populares; com filigranas que desviam sutilmente o texto constitucional; com apreensões sumárias de passaportes e bloqueios de contas de jornalistas; com prisões em massa; com julgamentos coletivos sumários; e com várias decisões monocráticas estapafúrdias.

Tampouco, para quem escolheu a pílula azul, não há qualquer problema na concentração descomunal de poder nas mãos dos presidentes das duas Casas do Legislativo, que têm a permissão de decidir a seu bel-prazer o que vai ser ou não votado e quando e como vai ser votado; que engavetam todas as demandas que podem ameaçar os seus projetos políticos, mesmo as de interesse da população; e que aceitam submissa e passivamente intromissões dos outros dois Poderes na seara que a Constituição lhes atribui exclusivamente. Também não há nada de equivocado com a extravagância de três dezenas de partidos políticos sugadores de fundos pagos com o nosso dinheiro e sem qualquer compromisso doutrinário; e, ainda, com o inacreditável mecanismo do voto proporcional.

Não há também motivos para preocupação quando o Executivo trata as instituições do Estado como se lhe pertencessem; quando por pura ideologia se posiciona favoravelmente a grupos terroristas como o Hamas; ou declara amor eterno a ditadores carniceiros; ou se gaba da escolha de comunistas para ocuparem altos cargos; ou protagoniza, à revelia dos eleitores, espetáculos deprimentes como o da semana passada na Amazônia, com aquele passeio ridículo no mato de dois chefes de Estado, em comemoração à rendição do governo à agenda globalista representada pelo presidente francês.

A aceitação passiva de tantas anomalias é uma manifestação indiscutível dos efeitos da pílula azul, que dá magicamente o caráter de bênção à blasfêmia, de sapiência à ignorância, de verdade à mentira, de normalidade à loucura, de legal ao inconstitucional, sempre em nome da democracia da jabuticaba.

Ubiratan Jorge Iorio - Economista

sexta-feira, 12 de abril de 2024

Politicamente, só existe aquilo que o público sabe que existe

 Nos últimos dias, o mundo tem sido informado dos mais recentes acontecimentos da guerra declarada entre o dono do X (antigo Twitter), e as instituições brasileiras, nomeadamente o governo e o mais influente magistrado brasileiro, sobre as ordens expressas que foram dadas à rede social para retirar conteúdos e remover contas. As ordens exigiam que se alegasse que tais conteúdos e contas teriam violado as políticas da empresa, o que é falso e acabou por levar Elon Musk a retaliar.



A situação não surpreende os europeus, especialmente os portugueses, que foram tendo contato com esta realidade por via de amigos e redes sociais. Aliás, é aqui mesmo que reside o cerne da questão: controle das redes sociais. O controle das redes sociais, vulgarmente mencionado com o eufemismo “regulamentação”, é essencial para a existência do apagamento de opinião no século XXI.

Atualmente, a tarefa de controlar a informação que chega ao público tornou-se muito mais difícil devido às redes sociais. Os órgãos de comunicação social tradicionais são hoje extremamente subordinados às agendas políticas e muitos canais de televisão e rádio pertencem mesmo ao Estado. As redes sociais são “terra de ninguém”, e é por essa razão que estão debaixo de fogo, não só nas Américas como também na Europa.

Parece uma realidade distópica, mas a União Europeia normalizou a censura nas redes sociais, promovendo-a, embelezando-a e suavizando-a, sempre com propósitos nobres, como o combate ao “discurso de ódio” ou à “desinformação”. Pobres cidadãos europeus, que devem resistir a todas as tiranias, especialmente àquelas relacionadas ao código de conduta contra a desinformação que foi assinado por Adobe, Google, Meta, Microsoft, TikTok e Vimeo, sendo abandonado pelo Twitter, quando este foi comprado por Elon Musk.

Imediatamente, os burocratas de Bruxelas anteciparam-se a ameaçar o Twitter. Thierry Breton, comissário europeu, afirmou que Elon podia “fugir, mas não se podia esconder” e acenou com as sanções – 6% da receita e, se continuarem, ficam proibidos de operar na Europa. Por exemplo, é obrigatório que as redes sociais a operar na Europa tenham “fact checkers”, coisa que o X não apresentou.

Os conteúdos são retirados das redes sociais arbitrariamente se mencionarem as coisas erradas. Ainda há poucos meses, um artigo que escrevi para o Mises Brasil foi removido dos meus stories do Instagram, do grupo Meta, por “ir contra as normas europeias”.

O X continua a ser “terra de ninguém”, como deve ser, e isso está enfurecendo os “donos do mundo”. A pergunta que fica é: o que é que assusta tanto os globalistas e que deve ser calado?

Cláudia Nunes - Portugal

quinta-feira, 11 de abril de 2024

Superação do passado

 

    À esquerda no passado e à direita o futuro            (hoje)

Através de seu fundamento marxista e da estreita ligação de todos seus integrantes com o comunismo – isso fica explícito na pessoa do mais importante espião de Stálin, Richard Sorge – a Escola de Frankfurt estava obrigada com uma concepção histórica comunista. Suas experiências com o Nacional-Socialismo reforçaram esta posição e, após 1945, eles vestiram por completo a camisa do programa de reeducação dos alemães e participaram como parte do movimento antifascista da demonização da história alemã. Sua luta contra todas as tradições alemãs para destruição da identidade e desenraização dos alemães tiveram efeito na mesma direção.

Portanto isso não é mera coincidência, mas sim pura consequência que seus pupilos do Movimento de 68 fizeram da alegada e até então insuficiente superação do passado um de seus principais pontos programáticos. O “Tacape do Fascismo” e o “Porrete de Auschwitz” encontraram portas abertas para adentrar na “cultura política”. As acusações contra a geração dos pais que participaram da guerra deveriam acirrar o conflito de gerações, assim como ampliar as diferenças entre eles. Com isso os pais são culpados, colocados sob acusação e cria-se um clima de insegurança para implodir a família – e como descrito mais adiante – ela deveria ser eliminada como suposto bastião do autoritarismo.

Já no início da década de (19)60 aconteciam literais caçadas de personalidades pelos esquerdistas, as quais tinham se voltado contra essa forma unilateral de superação do passado. Por exemplo, podemos citar o caso do psicólogo Peter R. Hofstätter. Este renomado professor da Universidade de Hamburg, em um extenso artigo no jornal semanal Die Zeit de 14 de junho de 1963, sob o título “Passado superado?”, demonstrou dúvidas sobre a natureza das ações e a forma como se lidava com o passado nacional-socialista. No artigo ele abordou os intermináveis processos sobre as ações conduzidas durante a guerra, criticou o currículo exagerado sobre esse tema adotado nas escolas desde 1959, avaliou a morte dos judeus como ações de guerra e assim deveria ser tratado, resumindo assim: “Não existe na face da Terra um povo que tenha superado seu passado… Me parece não ser tão inteligente, que nós nos ocupemos com uma tarefa em princípio insolucionável”.

Como consequência a mídia caiu sobre ele, e iniciou-se uma campanha de difamação contra o cientista e seu “perigoso ensinamento para a coletividade”. Ele foi denunciado criminalmente e abriu-se um processo disciplinar contra um professor internacionalmente conceituado. Apesar do arquivamento da denúncia e de o professor ter escapado por pouco de uma condenação, e até mesmo de uma demissão, o Senado da Universidade de Hamburg viu-se obrigado a desaprovar publicamente a forma como Hofstätter “tratou questões sensíveis de nossa vida pública política” (FAZ, 20/10/1983).

Este caso serviu como exemplo e assim teve seu efeito: foi “um sinal assimilado pelo professorado da Alemanha Ocidental. Desde então, até hoje, nenhum professor tratou de forma crítica e publicamente a Superação do Passado”. (Mohler 1987, pág. 40)

Dois anos depois, o cientista político Udo Walendy foi demitido de seu posto como docente de uma escola profissionalizante, por ele ter publicado um pouco antes (1963) a obra Verdade para a Alemanha, com muitos documentos sobre a questão da culpa pela Segunda Guerra Mundial e ter chegado ali a conclusões diferentes da dominante opinião reeducada. A autoridade competente de Deltmond escreveu ao docente expulso a 10/05/1965: “É claro que … deve ser visto por parte da diretoria da escola, … apenas contratar docentes que estejam completamente no mesmo plano de nosso atual Estado e principalmente que reproduzam sem muito desvio das visões e concepções defendidas pelos governos federal e estadual… (É sabido), que você escreveu um livro onde toma uma posição sobre nossa recente história alemã, mas de uma forma que não corresponde ao atual conhecimento histórico em todos seus detalhes e principalmente em suas consequências, e que em todo caso, não pode ser admitido.” (Freies Forum nr. 5, 1966, pág. 7 et seq)

Os acadêmicos da ciência histórica “devem estar alinhados – sem muito desvio – às visões e concepções defendidas pelo governo” – INACREDITÁVEL ! – NR.

Nos anos seguintes, outros docentes foram demitidos por terem se pronunciado na forma de artigos, livros ou declarações sobre a história contemporânea, contra a opinião reinante sobre a Superação do Passado do Terceiro Reich, e porque teriam aliviado os atos e até mesmo porque exaltavam o regime Nacional-Socialista. Vale destacar que nenhum caso é conhecido onde um docente ou professor tenha sido punido por ter comprovadamente exagerado a culpa alemã ou falsificado a história em detrimento dos alemães.

Com o Movimento de 68, a superação do passado – mas deformadora da história, atua de forma mais forte na Alemanha, e adota a visão histórica dos Antifas comunistas originários de Moscou, e suas versões distorcidas são divulgadas cada vez mais ao público pelas grandes mídias. Ao se ajoelhar na Polônia, o gesto do chanceler Brandt foi uma das consequências, outra a renúncia e traição política em relação às províncias alemãs do leste. Um rígido controle foi anunciado e qualquer desvio punido severamente assim que se manifestassem. Segue o exemplo do caso do historiador Hellmut Diwald, em 1978.

O professor de história em Erlanger, que já havia escrito uma série de livros históricos muito bem avaliados, publica neste ano na respeitada editora Propyläen sua obra mais extensa, Geschichte der Deutschen. Este professor para História Contemporânea da Universidade de Erlangen, que era avaliado até então como “peso para a esquerda” e “neutro”, e autor preferido em grandes jornais assim como acadêmico nos programas de TV, tratou de forma diferente nessa obra a história do século XX, bem distante da concepção de seus demais colegas. Ele expos e corrigiu algumas das mentiras históricas bastantes populares da reeducação e exageros das cifras em relação aos campos de concentração da Segunda Guerra Mundial, e  escreveu sobre a Solução Final: “O que aconteceu de fato naqueles anos, apesar de total literatura atual, ainda não está claro.” (Diwald 1978, pág. 165) Com isso ele lança dúvidas na opinião formada até então pelas investigações e pesquisas, principalmente através do extenso Processo de Auschwitz dos anos (19)60, que teria esclarecido tudo sobre este assunto.

Com isso, após amistosas conversas e retrospectivas de sua obra – na forma característica anti-cronológica – iniciou-se uma campanha de difamação contra o historiador alavancada principalmente pela revista Der Spiegel. Ele foi pressionado pela sua editora a modificar o parágrafo atacado. Embora ele tenha explicado em dezembro de 1978, em uma entrevista na TV da Bavária, que não aceitaria nenhuma mudança do conteúdo de sua obra e finalmente tenha cortado o vínculo com sua editora, esta deixou em seu estoque a primeira edição e permitiu que terceiros modificassem as passagens incômodas em uma nova edição. Diwald deve agradecer à sua reputação acadêmica, que ele tenha saído desse episódio apenas com uma repreensão por parte da direção da universidade e que estes tenham se contentado com um certo afastamento. Digno de nota neste episódio contra o professor de Erlanger, foi o fato de alguns protagonistas que o atacaram terem pertencido ao quadro de oficiais da SS e também atuaram no Reichssicherheitshauptamt.

Para outros semelhantes casos, indicamos as obras de Mohler, Armin – Der Nasenring, 1996 e Kosiek, Rolf  – Historikerstreit und Geschichtsrevision, Tübingen,1987.

Extrato do livro de Kosiek, Rolf – Die Machtübernahme der 68er, 2009, pág. 92 a 96.

domingo, 7 de abril de 2024

A DESTRUIÇÃO DA ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS

A cadeira de Fernanda Montenegro já pertenceu a Antonio Houaiss. A de Merval Pereira, a Moacyr Scliar. A de Gilberto Gil, a Emílio de Meneses. A de Paulo Coelho, a Dias Gomes. É como se, a cada sucessão, a Academia Brasileira de Letras deixasse a qualidade literária para trás.


Vale notar que, no artigo 1º de seu estatuto, a Academia declara seu princípio: “A Academia Brasileira de Letras, com sede no Rio de Janeiro, tem por fim a cultura da língua e da literatura nacional”. O documento foi assinado em 28 de janeiro de 1897 por, dentre outros, Machado de Assis, o presidente, e Joaquim Nabuco, o secretário-geral.

Mais de 120 anos depois, a ABL é alvo de questionamentos de vários setores. Parte deles, ligados aos movimentos identitários, reivindica uma participação ainda maior de autores diversos daqueles do perfil do cânone literário - o homem branco, heterossexual e do sudeste. Mesmo com diversas mulheres autoras, assim como nordestinos, já ocupando as ilustres cadeiras.

De outro lado, temos as críticas dos setores que, no debate público, estão ligados aos grupos ditos “conservadores”. Estes dizem que a academia tem desprestigiado a literatura em prol de outras manifestações culturais. Gilberto Gil, músico, ocupa a cadeira nº 20 e Fernanda Montenegro, atriz, ocupa a cadeira nº 17. A adesão total ao Acordo Ortográfico e a submissão às pautas identitárias também desagradou muita gente. Na seção “Novas Palavras” do site, só aparecem aquelas bem ao gosto de quem vê nas palavras uma forma de luta social: “antirrascista”, “capacitismo”, idadismo” e “letramento racial”.

As críticas de ambos os lados revelam, na verdade, uma questão de fundo: a decadência da instituição. A ABL deixou de ser, há muito tempo, uma instituição relevante e está longe de cumprir o que prometeu no artigo 1º: “tem por fim a cultura da língua e da literatura nacional”. Se é que um dia cumpriu.

Por que temos uma ABL?

Em um Brasil de forte influência francesa, um grupo de escritores decidiu criar uma Academia de Letras, nos moldes da Academia Francesa, fundada em 1635, no reinado de Luis XIII. A longeva instituição francesa, como aqui, é também hoje alvo de controvérsias, como a posse de Mario Vargas LLosa, que sequer escreve em francês.

Mesmo no seu início, é difícil afirmar que a ABL era influente. Diogo Fontana, fundador e editor-chefe da Editora Danúbio, escritor, afirma que “a ABL nunca serviu para muita coisa. Foi sempre um espaço de homenagem e de reconhecimento pela obra. Como instrumento de fomento, nunca teve tanta força”.

Já Alexandre Sugamosto, Doutorando em Ciências da Religião pela PUC/MG, Especialista em Metodologia de Ensino da Língua Portuguesa e escritor, aponta diferenças entre o período inicial e o atual: “No final do século XIX, havia um um movimento literário mais robusto, visando colocar o Brasil no mapa da literatura mundial, mesmo que com uma roupagem regional”.

Decadência inevitável

Samo Burja, cientista político esloveno, é um estudioso das instituições e cuida de analisar como elas florescem, perduram e eventualmente morrem. A primeira frase de seu site pessoal, colocada aqui, soa até provocativa: “Nunca existiu uma sociedade imortal”.

Segundo o autor, as instituições, sejam elas a ABL ou o Supremo Tribunal Federal, são um tipo de tecnologia social. Ou seja, elas são meios que os homens dispõem para alcançar certo objetivo. E seu processo de decadência se dá sobretudo a partir de três motivos: sucessão, transmissão do conhecimento e corrupção das burocracias.

Alexandre Sugamosto reconhece a qualidade de alguns autores que hoje compõem a ABL, como Marco Lucchesi, Zuenir Ventura, Antonio Cícero e Ruy Castro, mas identifica o problema sucessório. “Este é o maior problema, na verdade. Essa geração é interessante. Mas quem poderia ser o sucessor de Ruy Castro?”, pergunta ele.

A ABL também não conversa com qualquer público leitor. Os vídeos do seu canal no Youtube não passam, em geral, de 500 visualizações, mesmo com conteúdos interessantes como “Luís de Camões - 500 anos”. “A atual composição da ABL reflete a decomposição da leitura. Nossa produção acadêmica não fala com o mundo. A crise da ABL é um sintoma disso”, diz Diogo Fontana.

A ausência de critérios mais claros para ocupar uma de suas cadeiras é temerário. “Quando há personalidades culturais, abre-se espaço para a politicagem”, diz Diogo Fontana. Estas “personalidades” são aquelas com evidente prestígio na sociedade, que transitam bem em seus corredores, não incomodando ninguém.

Ladeira abaixo

A última personalidade eleita para a Academia Brasileira de Letras foi Lilia Schwarcz. A antropóloga e historiadora é alinhada às pautas tradicionalmente defendidas pela esquerda. Schwarcz hoje ocupa a cadeira nº 9, anteriormente ocupada por Alberto da Costa e Silva, diplomata, poeta e historiador, vencedor do Prêmio Camões de 2014.

A respeito de perspectivas de mudança, Diogo Fontana lamenta: “A ABL só vai melhorar se a literatura renascer, com grandes escritores, candidatos a membros. Não há um gênio literário vivo, nem dentro nem fora”. Já Alexandre Sugamosto diz que o panorama vai piorar: “Não estamos vendo a decadência mesmo, vamos ver de fato em uns 10 anos. É só o começo dessa degradação”.

O site oficial apresenta um design obsoleto e a navegação é difícil. Parece propositalmente feito para afastar qualquer “mortal” dali de perto. Mas se um mortal mais persistente insistir, pode encontrar uma seção de artigos e ler um do ocupante da cadeira nº 31, Merval Pereira. O tema dificilmente dialoga com o princípio do artigo 1º: o caso Robinho. Custa acreditar que, com tanto interesse pelo transitório, a imortalidade da Academia dure tanto tempo.

André Luiz Côrrea

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sábado, 6 de abril de 2024

Justiça Social

 Vivemos numa era messiânica, onde a sociedade aleijada pela doutrinação e praticas dos burocratas do Estado, aguardam um ser superior que os salvem das amarras coletivistas e utópicas, porem são esses paladinos coletivistas que estão no controle de todas as instituições.

Neste ambiente odioso, nada que não seja aderente e que vá de encontro às crenças ditas “progressistas” pode ser pensado, dito e, muito menos, executado. Os “progressistas”, ou melhor, os coletivistas estão no poder. A hipocrisia impera. Falácias e rotundas e comprovadas asneiras são entoadas como “verdades”, e seus artífices já não têm mais a necessidade de provar nada a ninguém.

Eles detêm o monopólio pela “preocupação com o povo”, tendo em vista que conseguiram infiltrar em todas as instituições a pregação de que o objetivo fulcral do indivíduo é o de se tornar um guerreiro pela justiça social.

O factual conhecimento, a especialização, a ciência, a razão e o verdadeiro humanismo não valem mais um vintém. Só possui valor aquilo que é verbalizado por sectários ideológicos, suas utopias, vontades e fartas asneiras.

Do outro lado da narrativa vermelha do besteirol, sempre estão, evidente, inimigos. Fundamentalmente, os capitalistas “exploradores”.

As pautas prioritárias desses coletivistas para tirar as pessoas da pobreza são tributar e saquear os criadores de riqueza, as empresas e os indivíduos, inclusive os mais pobres, como também o ambientalismo, a ideologia de gênero e a diversidade e inclusão.

O que realmente é prioritário – o estímulo à responsabilidade individual e ao empreendedorismo, as verdadeiras liberdades individual e econômica, o ensino formador (não a ideologização), os investimentos em inovações, o aumento da produtividade no setor produtivo, entre outros aspectos – nunca é avistado nos planos coletivistas. O engodo da “justiça social” não tem a capacidade de agregar valor às empresas e às próprias pessoas.

Objetivamente, o desejo de “progressistas”, nova denominação de socialistas, é puramente o alcance de mais poder. Para isso, mais Estado, menos indivíduo. Preocupação com o “povo”, bela e mera narrativa. Pelo conhecimento e pela razão, sabe-se que as oportunidades para os mais pobres não serão criadas pela grande mãe Estado. Elas são potencializadas pelas relações colaborativas e voluntárias que se estabelecem nos mercados. Quanto mais livres, maiores serão as oportunidades econômicas e sociais.

Para tanto, a alavanca compulsória é a existência de liberdade factual para que as pessoas possam empreender, gerar empregos, criar novas soluções para os indivíduos, aquilo que produz mais renda e riqueza para todos. Porém, nessa republiqueta chamada Brasil, “progressistas” não perdem a oportunidade de perderem a oportunidade de desenvolver um mercado mais livre das amarras das regulamentações, das normas absurdas e do consequente aumento da burocracia e dos custos, em especial, para os micro e pequenos empresários.

Cito como exemplo a fixação de salário mínimo, que acaba por proteger trabalhadores já empregados, impedindo o ingresso dos mais jovens aos mercados de trabalho, ou a aberração dos sindicatos, que enriquece uma casta de líderes que nunca trabalhou, e impõe barreiras à geração de mais empregos e, especialmente, às tão necessárias inovações em direção a um aumento da produtividade.

O câncer do intervencionismo estatal, em vez de ser reduzido, persiste se alastrando por todo o tecido econômico e social verde-amarelo. O discurso é o de beneficiamento dos mais pobres. Puro ilusionismo.
A verdade que não pode ser dita pelos “guerreiros sociais” é cristalina: o maior e melhor programa social é, sem dúvidas, o crescimento econômico. Nesta direção, o ex-presidente americano Ronald Reagan afirmava que “o melhor programa social é um emprego”.

Triste. Crescimento econômico e geração de emprego têm receituário básico e certeiro: legítima liberdade econômica. O mundo não será salvo pelos “bondosos guerreiros sociais”, verdadeiros crentes de utopias e de fracassos econômicos e sociais.

Esperar que o Estado e seus políticos salvem ou melhorem o cenário é uma ilusão, esperar ou crer com fé que a democracia será o remédio para os males que acometem o Estado e a sociedade é a comprovação do domínio e doutrinação bem efetuada pelos progressistas.

sexta-feira, 5 de abril de 2024

Como Joseph Stalin ajudou a criar o Estado de Israel

 Em resposta ao ataque assassino de Israel a Gaza, aconteceram manifestações massivas ao redor do mundo e uma greve geral em toda a Palestina. O movimento de solidariedade inclui até socialistas que veem Joseph Stalin como uma inspiração. Os stalinistas modernos se descrevem como anti-imperialistas e contrários ao sionismo. Eles podem citar uma nota de rodapé num panfleto de Stalin de 1913 sobre a questão nacional, escrito sob as influências de Nikolai Bukharin e Lenin, em que o futuro ditador descreve o sionismo como "uma tendência nacionalista e reacionária da burguesia judaica, que tinha seguidores entre os intelectuais e as seções mais atrasadas dos trabalhadores judeus. Os sionistas se esforçaram para isolar as massas da classe trabalhadora judaica da luta geral do proletariado."



Mas como a União Soviética sob Stalin reagiu à fundação do Estado de Israel em 1948? E que efeito isso teve sobre os Partidos Comunistas leais a Moscou?

A União Soviética reconheceu diplomaticamente Israel em 17 de maio de 1948, apenas três dias após sua declaração de independência. Foi o primeiro estado do mundo a fazer isso - muito antes dos Estados Unidos.

Em um artigo recente na Jewish Currents, Dorothy M. Zellner relata detalhadamente os efeitos disso sobre o Partido Comunista, já sob os efeitos do Stalinismo, nos Estados Unidos. O CPUSA (Partido Comunista dos EUA) em publicações direcionadas aos judeus, sempre rejeitou o Sionismo e a ideia de um Estado judaico. Quando o "sindicato" sionista da Palestina, o Histadrut, tentou boicotar os trabalhadores palestinos, os comunistas americanos se referiram a ele - corretamente - como uma instituição "Jim Crow" (em alusão as leis segragacionistas dos Estados Unidos). O CPUSA, apesar de sua política stalinista, tinha tradição de luta contra o racismo - e por isso denunciou o racismo do projeto de colonização sionista.

Em 1947, entretanto, a União Soviética surpreendeu o mundo ao anunciar que apoiaria o plano da ONU de partilhar a Palestina e criar um Estado judaico.

O apoio de Stalin ao sionismo foi vital - é justo dizer que Israel poderia não existir em sua forma atual se a União Soviética não tivesse oferecido seu apoio. Os historiadores suspeitam que Stalin tinha a expectativa de enfraquecer a posição do imperialismo britânico na região - talvez ele visse os colonos judeus como uma espécie de movimento de libertação nacional. Mas, na realidade, a previsão de todos os marxistas sérios se tornou realidade: o novo Estado judeu se tornou um vigia do imperialismo.
O apoio soviético a Israel também não se limitou a meios diplomáticos. Via Tchecoslováquia, o bloco soviético enviou armas à milícia sionista Haganah, que as usou para iniciar a limpeza étnica da Palestina. Em outras palavras, Stalin deu apoio material à Nakba. O Partido Comunista alinhado a União Soviética, o MAKI, tornou-se um importante apoio para o estabelecimento do estado sionista.

Como resultado dessa política criminosa, as idéias do socialismo e do comunismo, que antes tinham grande apelo das massas árabes, foram desacreditadas em toda a região. Nos Estados Unidos, os comunistas do PC já estavam acostumados a aceitar giros em 180 graus em sua linha política, e em poucos meses, o CPUSA estava oferecendo apoio irrestrito à limpeza étnica dos sionistas e espalhando relatórios falsos sobre supostas atrocidades árabes como justificativa.

Trotskismo

Comunistas de verdade - aqueles opostos ao Stalinismo - sempre rejeitaram o Sionismo. Enquanto a burocracia de Stalin estava ocupada fazendo acordos com as potências imperialistas - primeiro com os nazistas, depois com os imperialistas "democráticos" - foi a Oposição de Esquerda liderada por Leon Trotsky que lutou pela independência política da classe trabalhadora. Isso significava se opor a qualquer forma de imperialismo e colonialismo, incluindo o sionismo.

Leon Trotsky disse pouco antes de ser assassinado por um agente stalinista: "A tentativa de resolver a questão judaica por meio da migração de judeus para a Palestina pode agora ser vista pelo que é, uma trágica zombaria do povo judeu". Ele acrescentou prevendo: "O desenvolvimento futuro de conflitos militares pode muito bem transformar a Palestina em uma armadilha sangrenta para centenas de milhares de judeus. Nunca foi tão claro como hoje que a salvação do povo judeu está inseparavelmente ligada à derrubada do sistema capitalista. "

O ex-sionista que se tornou trotskista Abraham Leon escreveu um estudo monumental sobre A Questão Judaica, no qual ele demonstrou de forma semelhante que a opressão dos judeus não poderia ser superada pela criação de um novo Estado-nação sob a tutela de potências imperialistas. Ele apresentou um programa para os revolucionários judeus lutarem como parte da classe trabalhadora internacional para derrubar o capitalismo.

Hoje, é cada vez mais comum reconhecer que Israel é um projeto colonial racista com muitas similaridades com o regime do Apartheid. É interessante notar que os trotskistas na África do Sul entenderam muito antes da fundação de Israel que a colonização sionista criaria um sistema muito semelhante. Em 1938, The Spark, um jornal trotskista na África do Sul, escreveu:

A continuação do curso sionista-imperialista aprofundará a barreira do ódio e do chauvinismo, aumentará o abismo entre árabes e judeus e promoverá conflitos perpétuos e guerra civil, pondo em risco a própria existência da comunidade judaica. E ao dizer isso, não são os sionistas que temos em mente. Queremos dizer a grande massa de trabalhadores judeus e pequenos camponeses. Eles podem resolver o problema dos judeus na Palestina com muita facilidade. O que é necessário é solidariedade e cooperação de trabalhadores e camponeses judeus e árabes, numa luta unida por uma Palestina livre e independente de trabalhadores e camponeses, libertada das algemas do capitalismo imperialista.

Quando os planos de partilha e criação de um estado exclusivamente judaico se tornaram mais concretos em 1947, os comunistas membros de Partidos Comunistas oficiais e também os chamados sionistas de "esquerda" ou "socialistas" moveram suas forças para esse “empreendimento” colonial. Foi apenas a organização trotskista na Palestina, a Liga Comunista Revolucionária, que saiu claramente em oposição. Falando aos trabalhadores judeus, disseram que um estado judeu na Palestina seria inevitavelmente uma ferramenta do imperialismo. Eles convidaram os trabalhadores judeus a lutarem contra o imperialismo ao lado de seus irmãos de classe árabes em toda a região.
A Liga Comunista Revolucionária continha numerosos revolucionários corajosos, como Yigael Glückstein, que já sob o nome de Tony Cliff se tornaria um líder do Socialist Workers Party (Partido Socialista dos Trabalhadores) na Grã-Bretanha, assim como Jakob Moneta e Rudolf Segall, que retornaram à sua terra natal Alemanha onde lideraram o movimento trotskista por décadas. Também incluiu Jakob Taut e Jabra Nicola, que permaneceram na Palestina e eram ativos na Nova Esquerda em Israel depois de 1968.
Abaixo, publicamos uma declaração da Liga Comunista Revolucionária, seção palestina da Quarta Internacional, de 1947. Agradecimentos à ex- Liga Socialista dos Trabalhadores da Palestina e a Einde O’Callaghan por traduzir e publicar a declaração.

Essa história oferece lições importantes para hoje. A política stalinista de buscar alianças com potências imperialistas "progressistas" só levou a derrotas. Para libertar a Palestina, a classe trabalhadora precisa se constituir como uma força política independente lutando pela revolução socialista.

Contra a partilha! (1947)- Liga Comunista Revolucionária

Os membros do comitê da ONU mostraram “compreensão” e “fizeram um trabalho maravilhoso em muito pouco tempo”. Com essas palavras, a representante da Agência Judaica, Golda Meier, endossou a proposta de partilha. A maioria dos partidos sionistas concordaram, com algumas reservas quanto à “forma” da solução.

O secretário de Relações Exteriores americano Marshall também compartilhou dessa opinião. É bem sabido, porém, que o destino dos povos perseguidos não costuma ser a principal preocupação do Ministro das Relações Exteriores dos Estados Unidos. Portanto, sua reação pode causar apreensão entre aqueles que acreditam nas boas intenções do comitê da ONU.

O que dá a proposta da ONU aos judeus? À primeira vista, tudo: uma cota de imigração de 150.000 pessoas e ainda mais; independência política; cerca de dois terços da Palestina; três grandes portos e quase todo o litoral. Isso é mais do que os mais otimistas entre os membros da Agência Judaica ousariam pedir.

Toda essa “compreensão” e “amizade” não parecem um pouco suspeitas? Por que votaram nessa proposta os representantes do Canadá, Holanda e Suécia, que têm laços estreitos com as potências anglo-saxônicas? E por que votaram nele os representantes da Guatemala, Peru e Uruguai, cujas políticas são ditadas por Washington? Todos os periódicos sionistas, bem como os semi-sionistas (os órgãos do Partido Comunista da Palestina) recusaram-se a fazer essa pergunta, e, é claro,a respondê-la.

Mas essa é precisamente a questão fundamental. Mais importante do que o conteúdo da proposta são os motivos de quem a enviou. Não nos enganemos! Por trás dos - nas palavras de Marshall - países “neutros”, estão as potências, que são as mais interessadas nesta questão. Os cálculos que produziram a proposta de partilha são exatamente os mesmos que ocasionaram a partição da Índia.

Que cálculos são esses? Em nosso período, o período das revoluções sociais e das revoltas dos povos escravizados, o imperialismo governa por meio de dois métodos principais: a repressão implacável e brutal (como na Indonésia, Indochina e Grécia), ou esvaziando a luta de classes por meio de conflitos nacionais. A segunda maneira é mais barata e mais segura e permite que o imperialismo se esconda atrás das cortinas.

O imperialismo até agora tem empregado com sucesso o método divide et impera (dividir para conquistar) neste país, usando a imigração sionista como fator de divisão. Criou-se assim a tensão nacional que, em grande medida, dirigiu contra os judeus a raiva que foi provocada pelo imperialismo nas massas árabes da Palestina e do Oriente Médio. Mas esse método deixou de produzir os resultados desejados. Apesar da tensão nacional, uma forte e combativa classe trabalhadora árabe se desenvolveu no país. Um novo capítulo na história da Palestina se abriu quando os trabalhadores árabes e judeus cooperaram em greves em grande escala, a fim de forçar os exploradores imperialistas a fazer concessões. E o fracasso da última tentativa de forçar os habitantes da Palestina a um novo derramamento de sangue mútuo por meio de provocações, ensinou aos imperialistas uma nova lição. Agora eles tiraram suas conclusões: se vocês se recusarem a lutar entre si, vamos colocá-los em uma posição econômica e política que os forçará a fazê-lo! Esse é o conteúdo real da proposta de partilha.

Talvez a proposta de partilha concretize o sonho do povo judeu de independência política? A “independência” do estado judeu se resume em escolher, de forma “livre” e “independente” entre duas opções: morrer de fome ou vender-se ao imperialismo. O comércio exterior - tanto de importação quanto de exportação - permanece como antes: sob o controle do imperialismo. Os principais setores da economia - petróleo, eletricidade e minerais - permanecem nas mãos de monopólios estrangeiros. E os lucros continuarão a fluir para os bolsos dos capitalistas estrangeiros.

Um estadista judeu no coração do Oriente Médio pode ser um excelente instrumento nas mãos dos estados imperialistas. Isolado das massas árabes, este Estado estará indefeso e totalmente à mercê dos imperialistas. E eles o usarão a fim de fortalecer suas posições, enquanto ao mesmo tempo estimulam nos estados árabes a ideia do “perigo judeu” - isto é, a ameaça representada pelas tendências expansionistas inevitáveis ​​do minúsculo estado judeu. E um dia, quando a tensão atingir seu ápice, os “amigos” imperialistas deixarão o Estado judaico entregue ao seu destino.

Os árabes também receberão “independência política”. A partilha trará a criação de um estado árabe feudal atrasado, uma espécie de Transjordânia a oeste do rio Jordão. Esperam assim isolar e paralisar o proletariado árabe da região de Haifa, importante centro estratégico de refinarias de petróleo, bem como dividir e paralisar a luta de classes de todos os trabalhadores da Palestina.

E a “salvação dos refugiados dos campos de concentração”? O imperialismo criou o problema dos refugiados dos campos de concentração ao fechar as portas de todos os países para eles. O destino dos refugiados é sua responsabilidade. O imperialismo não é filantrópico. Se enviar como um “presente” os refugiados à Palestina, o fará por um único motivo: para usá-los para seus próprios fins.

A proposta de partilha, aparentemente tão “favorável” aos judeus, contém vários aspectos que são altamente producentes ao imperialismo: 1) As concessões ao sionismo serão usadas como isca para obter a aprovação da maioria judaica ; 2) Inclui várias provocações, como a incorporação de Jaffa ao estado judeu e a negação de qualquer porto aos arabes, o que os enfurece; 3) Essas provocações permitem que a Grã-Bretanha apareça como “amiga dos árabes”, que “lutará” por uma segunda divisão mais justa. Isso, por sua vez, os ajudará a engolir sua raiva frente aos britânicos. Em outras palavras, temos aqui uma divisão do movimento operário pré-organizada.

Resumindo: a proposta do comitê da ONU não é uma solução nem para os judeus nem para os árabes; é uma solução pura e exclusiva para os países imperialistas. Os formuladores de políticas sionistas agarraram avidamente o osso que o imperialismo lhes jogou. E os críticos sionistas “de esquerda”, em nome de tirar a máscara do jogo dos imperialistas, atacam sem entusiasmo a proposta de partilha e apelam por ... um estado judeu em toda a Palestina! Um estado binacional de acordo com a proposta de Shomer HaTsa’ir (Jovem Guarda) que é apenas o direito dos judeus de impor aos árabes - sem seu consentimento e contra sua vontade - a imigração judaica e as políticas sionistas.

E quanto ao Partido Comunista da Palestina? Aparentemente, espera pela solução “justa” da ONU. Em todo caso, continua a semear ilusões em relação à ONU e, nesse sentido, ajuda a ocultar e implementar os programas imperialistas.

Contra tudo isso, dizemos: Não vamos cair na armadilha! A solução do problema judaico, como a solução dos problemas do país, não virá “de cima”, pela ONU ou por qualquer outra instituição imperialista. Nenhum “terror” ou “pressão” moral fará com que o imperialismo abandone seus interesses vitais na região (o estoque de petróleo deu 60% de dividendos este ano!).

Para resolver o problema judaico, para nos libertar do fardo do imperialismo, só há um caminho: a luta de classes em comum com nossos irmãos árabes; uma luta que é um elo inseparável da guerra anti-imperialista das massas oprimidas em todo o Oriente árabe e em todo o mundo.

Inveja social e histeria ambiental: motoristas de SUV estão na mira

 Em um referendo público, os parisienses votaram a favor de um aumento drástico nas taxas de estacionamento para veículos de grande porte para uso fora de estrada, mas apenas seis por cento dos eleitores elegíveis se deram ao trabalho de votar. Para SUVs e outros veículos pesados, uma hora de estacionamento no centro da capital francesa custará em breve 18 euros em vez dos habituais seis euros, e, nos distritos periféricos, custará doze em vez de quatro euros. Seis horas de estacionamento no centro da cidade não custarão mais 75 euros e sim 225 euros.



1,3 milhão de parisienses foram convocados a votar sob o slogan “Mais ou menos SUVs em Paris?”, mas apenas um pouco menos de seis por cento dos eleitores elegíveis participaram. Cerca de 54,5 por cento dos que votaram aprovaram o aumento da taxa de estacionamento, enquanto cerca de 45,5 por cento votaram contra. Isso significa que cerca de três por cento dos eleitores elegíveis decidem quanto os motoristas de SUV terão que pagar pelo estacionamento. Em referendos, geralmente há um quórum obrigatório, por exemplo, 25 por cento dos eleitores elegíveis, que devem participar para que qualquer resultado seja válido. Esse não foi o caso em Paris.

No entanto, a tarifa especial para veículos estilo SUV só se aplicará aos visitantes que estacionarem no centro de Paris. Os residentes estarão isentos, assim como os comerciantes e trabalhadores da saúde. A tarifa será aplicada a modelos a combustão e híbridos com peso superior a 1,6 toneladas métricas e modelos elétricos com peso superior a duas toneladas métricas. Talvez por isso não tenha havido tanto interesse dos residentes em participar do referendo, já que a votação implicava desvantagens para outros, ou seja, para os visitantes.

O referendo marca a última etapa da estratégia do governo vermelho-verde para proibir gradualmente carros do centro de Paris. O governo vermelho-verde na capital alemã, Berlim, também seguiu uma estratégia semelhante quando estava no poder.

Os críticos dos novos regulamentos na França apontaram que os carros elétricos ecologicamente corretos também serão penalizados, enquanto os veículos com motor de combustão mais antigos não serão.

Na Alemanha, a chamada Associação Alemã de Auxílio Ambiental (DUH) imediatamente convocou todas as cidades a introduzir taxas de estacionamento mais altas para veículos estilo SUV. “Esses monstros SUVs estão bloqueando cada vez mais calçadas e espaços verdes e colocando em perigo pedestres e ciclistas. A tirania dos SUVs deve ser interrompida”, disse o Diretor Executivo Federal da DUH, Jürgen Resch.

Eu acredito que os argumentos para aumentar as taxas de estacionamento são apenas um pretexto. Na verdade, grupos verdes de esquerda têm tentado mesclar questões climáticas e inveja social há algum tempo. Na Alemanha, a seita apocalíptica “Última Geração” já danificou campos de golfe e borrifou tinta em jatos privados e lojas de luxo. O lema deles é: “Não podemos mais arcar com os ricos.” Os ricos são difamados como destruidores do planeta.

Uma pesquisa internacional conduzida pelos institutos de pesquisa de opinião pública Allensbach e Ipsos MORI em 13 países mostrou que a inveja social é mais evidente na França do que em qualquer outro país – com a Alemanha em segundo lugar. O coeficiente de inveja social SEC, que mede a proporção de invejosos sociais para não invejosos em um determinado país, é de 1,26 na França e 0,97 na Alemanha. Em comparação, ele é de 0,42 nos Estados Unidos e apenas 0,21 na Polônia.

As populações da França e da Alemanha guardam rancor contra os ricos, um fato confirmado por outra descoberta da pesquisa. Os entrevistados foram apresentados a duas declarações alternativas: 1. Os impostos sobre os ricos devem ser altos, mas não excessivamente altos, porque, em geral, eles trabalharam muito para ganhar sua riqueza. 2. Os ricos não só devem pagar impostos altos, mas devem pagar impostos muito altos. Na França e na Alemanha, 53 e 51 por cento, respectivamente, expressaram apoio a impostos extremamente altos sobre os ricos, enquanto apenas 19 e 32 por cento achavam que os impostos não deveriam ser excessivos. Na Polônia e na Suécia, a situação era exatamente o oposto. Metade dos entrevistados era contra impostos excessivos sobre os ricos e apenas um quarto e um terço dos entrevistados, respectivamente, eram a favor de impostos muito altos sobre os ricos.

Como um dos ricos, eu realmente consigo enxergar algo positivo nas altas taxas de estacionamento que em breve serão cobradas em Paris: eu não me importo muito de pagar seis ou 18 euros por hora para estacionar, mas fico feliz se isso significa que haverá um pouco mais de vagas para estacionar. Em Singapura, o país mais capitalista do mundo de acordo com o Índice de Liberdade Econômica e também com a maior densidade de milionários do mundo, uma licença para dirigir um carro de médio porte custa o equivalente a 100.000 euros. Isso é para evitar estradas congestionadas. Os multimilionários não se importam. Eles ficam felizes por não terem que compartilhar a estrada e as vagas de estacionamento com tantos assalariados de baixa e média renda. Como frequentemente acontece, os invejosos sociais acabam prejudicando a si mesmos mais do que aos ricos.

quinta-feira, 4 de abril de 2024

BUNKER PODCAST 04.04.24

Quando a Europa era Fascista

 A um menino de hoje, a chamada Europa fascista lhe parece como um mundo distante, já turvo.

Aquele mundo colapsou. Portanto, não tem sido capaz de se defender.

Os que o derrubaram, ficaram sozinhos sobre o terreno em 1945. Interpretaram, desde então, os fatos e as intenções, como lhes convinha.


Europa em 1939

Um quarto de século depois da catástrofe da Europa fascista na Rússia, se existem algumas obras moderadamente corretas sobre Mussolini, não existe um só livro objetivo sobre Hitler.

Centenas de trabalhos lhe têm sido consagrados, todos superficiais, sensacionalistas ou inspirados por uma aversão visceral. Porém, o mundo ainda espera uma obra equilibrada, que estabeleça um balanço sério da vida do principal personagem político da primeira metade do século XX.

O caso de Hitler não é um caso isolado. A história – se é que se pode chamar assim – tem sido escrita, desde 1945, em uma só direção.

Na metade do universo, dominado pela URSS e a China vermelha, nem mesmo passa pela mente de alguém a possibilidade de dar a palavra a um escritor que não seja um conformista ou um adulador. Na Europa ocidental, se o fanatismo tem mais nuances, não é menos certo que é, também, mais hipócrita. Jamais um grande periódico francês, ou inglês, ou estadunidense, publicará um trabalho no qual se pudesse destacar o que possa ter havido de interessante, de limpidamente criador, no Fascismo ou no Nacional-Socialismo. Somente a idéia de semelhante publicação pareceria aberrante. Tachar-se-ia de sacrilégio!

Um aspecto tem sido, especialmente, objeto de apaixonadas atenções: se tem publicado, com gigantesca montagem publicitária, centenas de reportagens, freqüentemente exageradas, às vezes grosseiramente falsas, sobre os campos de concentração alemães e sobre os fornos crematórios, únicos elementos que se achou por bem divulgar, dentre a imensa criação que foi, durante dez anos, o regime hitleriano.

Até o fim do mundo se continuará evocando a morte dos judeus nos campos de Hitler, sob os narizes de milhões de leitores espantados, pouco exigentes em matéria de cifras exatas e de rigor histórico.

Também sobre esse tema, estamos esperando um trabalho sério sobre o que é que realmente ocorreu, com cifras verificadas metodicamente e comprovadas; um trabalho imparcial, não um trabalho de propaganda; nada de datas e detalhes sobre o que se diz ter visto e não visto; sobre tudo, de “confissões” atormentadas de erros e improbabilidades, ditadas por torturadores oficiais – como teve que reconhecer uma comissão do Senado americano – a uns acusados alemães a que disputavam a cabeça, e dispostos a assinar o que fosse para escapar do carrasco.


Benito Mussolini e Alessandro Pavolini, juntos escreveriam o Manifesto de Verona, o qual demonstra a verdadeira natureza do fascismo

Essa confusão incoerente, historicamente inadmissível, fez efeito, sem dúvida alguma, em uma massa inculta e sentimentalóide. Porém não é mais que a caricatura de um problema angustiante e, desgraçadamente, tão velho como a humanidade. Esse estudo está ainda por se escrever – e, por suposto, nenhum editor “democrático” o publicaria! –, expondo os fatos exatos de acordo com métodos científicos, repensando-os em seu contexto político, inserindo-os honestamente em um conjunto de acontecimentos históricos e considerando os paralelos absolutamente indiscutíveis: o tráfico de negros organizado e explorado pela França e Inglaterra nos séculos XVII e XVIII, pelo que se pagou o preço de três milhões de vítimas africanas que sucumbiram no transcurso de capturas e de terrível transporte; o extermínio, por ganância, dos peles vermelhas, sitiados até a morte em suas próprias terras que hoje são os Estados Unidos. Os campos de concentração ingleses na África do Sul, onde os Bóers foram empilhados como bestas, sob o olhar complacente do Sr. Churchill; as horripilantes execuções dos cipaios na Índia, pelos mesmos servos de sua Graciosa Majestade; o massacre, pelos turcos, de mais de um milhão de armênios; a liquidação de dezesseis milhões de anti-comunistas na União Soviética; a carbonização pelos Aliados, em 1945, de centenas de milhares de mulheres e de crianças nos maiores fornos crematórios da História: Dresden e Hiroshima; a série de extermínios de populações civis que não faz mais que prosseguir e crescer desde 1945: no Congo, no Vietnam, na Indonésia, em Biafra.

Haverá de se esperar ainda muito tempo, creiam-me, antes que tal estudo, objetivo e de alcance universal, pontue sobre os problemas citados e pese-os imparcialmente. Inclusive sobre assuntos muito menos ardentes, toda explicação histórica é ainda, na hora atual, quase impossível, se já teve a desgraça de cair, politicamente, no lado maldito.

É desagradável personalizar sobre si mesmo, porém de todos os chefes chamados fascistas que tomaram parte na Segunda Guerra Mundial, sou eu o único sobrevivente. Mussolini, após se assassinado, foi enforcado. Hitler disparou uma bala em sua cabeça e, em seguida, foi incinerado. Mussert, o líder holandês, e Quisling, o norueguês, foram fuzilados. Pierre Laval, após sofrer um breve julgamento-espetáculo, se envenenou em sua cela francesa; mal foi salvo de morrer assim, lhe mataram, estando paralítico, dez minutos mais tarde. O general Vlasov, o chefe dos russos anti-soviéticos, enviado à Stalin pelo general americano Eisenhower, foi enforcado em um cadafalso erguido na Praça Vermelha moscovita.

Inclusive em seu exílio, os últimos sobreviventes foram selvagemente perseguidos: o chefe do estado croata, Ante Pavievic, foi crivado de balas na Argentina; eu mesmo, acuado de todas as direções, escapei somente por milímetros das diversas tentativas de liquidação, umas vezes por assassinato e outras por sequestro.


Anton Mussert, líder do Movimento Nacional Socialista nos Países Baixos

Entretanto, até o momento não fui eliminado. Ainda vivo. Existo. É dizer, ainda poderia contribuir com um testemunho suscetível de despertar certo interesse histórico. Conheci Hitler de muito perto e sei que classe de ser humano era verdadeiramente; como pensava, o que queria, o que projetava, quais eram suas paixões, suas mudanças de humor, seus preferências, suas fantasias. Igualmente eu conheci a Mussolini, tão diferente em sua impetuosidade latina, seu sarcasmo, suas efusões, suas debilidades, sua veemência, seu arrebatamento, mas, ele também, extraordinariamente interessante.

Mais ainda, se houver historiadores objetivos, eu poderia ser um testemunho de valor para completar seus arquivos. Quem, entre os sobreviventes políticos de 1945, conheceu a Hitler ou a Mussolini mais diretamente que eu? Quem poderia, com mais precisão que eu, explicar que tipos de homens eram, nem mais nem menos que homens, homens tal como eram?

Isto não evitou que até agora eu não tenha tido outro direito que o de estar calado. Inclusive em meu próprio país.

Que eu publicasse na Bélgica um trabalho sobre o que tem sido minha atuação pública durante um quarto de século, era simplesmente impensável; entretanto, eu havia sido antes da guerra o chefe da oposição daquele país, o chefe do Movimento Rexista, movimento legal, que aderia às normas do sufrágio universal e que arrastou massas políticas consideráveis e a centenas de milhares de eleitores.

Eu comandei, durante os quatro anos da Segunda Guerra Mundial, os voluntários belgas da frente do leste, quinze vezes mais numerosos do que foram seus compatriotas que elegeram ao lado inglês para combater. O heroísmo de meus soldados nunca se discutiu. Milhares deles deram sua vida pela Europa, é certo, mas sobre tudo e antes de tudo, para lograr a salvação e preparar a ressurreição de seu país.

E, entretanto, não existe para nós a menor possibilidade de explicar às gentes de nosso povo o que foi a atuação política do REX antes de 1941 e sua ação militar depois deste ano.

Uma lei me proíbe formalmente de publicar uma linha dentro dos limites da Bélgica. Proíbe a venda, difusão, o transporte de todo texto que eu possa escrever sobre aqueles temas.


Vidkun Quisling, líder do movimento Nasjonal Samling

Democracia? Diálogo?

Desde 1945 os belgas não ouvem mais que um só toque de sino. Em quanto ao outro toque – o meu! – o estado belga tem apontado sobre ele todos os seus canhões. Em outros lugares a coisa não vai melhor. Na França, apenas apareceu meu livro “A Campanha da Rússia”, foi proibido.

O mesmo ocorreu, porém há pouco tempo, com minha obra “Almas Ardendo”. Este livro é puramente espiritual. E não obstante tem sido oficialmente proibida sua circulação na França. E isto, vinte e cinco anos depois que minha vida política foi pulverizada! E não é sobre as idéias dos excomungados sobre as que se lançam as proibições, mas que a inquisição democrática se abate implacavelmente sobre seu próprio nome.

Os mesmos procedimentos aplicaram na Alemanha. O editor de meu livro da “Verlorene Legión” foi, desde a aparição do volume, objeto de tais ameaças, que ele mesmo destruiu, poucos dias depois do lançamento, os milhares de exemplares que iam ser distribuídos pelas livrarias.


Pierre Laval, líder socialista célebre por sua participação na Terceira República Francesa e o Regime de Vichy

O recorde foi batido na Suíça, onde a polícia não somente confiscou milhares de exemplares de meu livro “La Cohue” de 1940, dois dias depois de sua aparição, mas que foi na gráfica e obrigou a derreter em sua presença à matriz de impressão, com o fim de que toda reimpressão da obra fosse materialmente impossível.

E, contudo, o editor era suíço! A gráfica era suíça! E se alguns personagens se creram mal tratados no texto, bem fácil lhes seria exigir contas perante a justiça, de meu editor ou de mim mesmo. Ao que, naturalmente, ninguém se atreveu!

Tive que esperar até 1969 para ver aparecer este mesmo livro em Paris, Roma, Bonn, Haya, México e vendê-lo livremente nas livrarias de Bruxelas, após o lançamento destes textos pelo editor de uma grande revista belga “Europa Magazine”. Este proclamou abertamente que não havia razão para que se seguisse proibindo tal publicação, arriscando-se a ser processado. Porém o governo cedeu, com o que os belgas, ao fim, puderam ler os argumentos que esperavam desde um quarto de século.

Maiores dificuldades que para a defesa escrita existe para a verbal. Eu desafiei às autoridades belgas responsáveis para que deixem explicar ante ao povo de meu país, no Palácio dos Desportes de Bruxelas, minha atuação e minhas pretensões então. Ou que aceitem – nada mais! – que me apresente como candidato às eleições do parlamento. O povo soberano teria decidido. Pode-se ser mais democrata?

O próprio ministro da Justiça respondeu que eu seria trasladado “imediatamente” à fronteira, se eu aparecesse em Bruxelas.


Andréi Vlásov, general russo do Exército Vermelho que colaborou com o III Reich durante a Segunda Guerra Mundial

E para estar absolutamente seguro de que eu não reapareceria, se improvisou uma lei especial, a qual se batizou “Lex Degrelliana”. Que prolongava em dez anos o prazo de prescrição da sentença contra mim, chegada já ao seu término!

Como então, as massas poderiam pesar os fatos, as intenções, formar uma opinião?

E como, face à semelhante apresentação dos fatos, poderia um jovem distinguir o verdadeiro do falso, especialmente quando a Europa de antes de 1940 não era um só bloco? Cada país, pelo contrário, apresentava características muito peculiares. E cada fascismo tinha suas próprias orientações.

O Fascismo italiano, por exemplo, era muito distinto do Nacional-Socialismo alemão. Socialmente, as posições alemãs eram mais audazes. Contrariamente ao Nacional-Socialismo, o Fascismo italiano não era, em essência, anti-judaico. Era de tendência mais cristã. E mais conservadora também. Hitler havia liquidado os últimos vestígios do império dos Hohenzollern, enquanto que Mussolini, ainda que com relutância, continuava seguindo o espanador de meio metro de altura que agitava sua grande pluma sobre a pequena cabeça desdentada do rei Víctor Manuel.

O Fascismo podia, sem negar a si mesmo, haver estado igualmente contra Hitler ou com ele. Mussolini era, acima de tudo, nacionalista. Depois da morte do chanceler austríaco Dollfuss, em 1934, havia alinhado algumas divisões na fronteira do Reich. No fundo de si mesmo, não queria a Hitler. Desconfiava dele.
– Tenha cuidado! Atenção, sobre tudo a Ribbentrop! – me repetiu ele mesmo vinte vezes.


Ante Pavelic, líder do Movimento Revolucionário de Levantamento Croata Ustasa e do Estado Independente da Croácia

O eixo Roma-Berlim foi forjado, antes de tudo, pelas torpezas e as provocações de uma grande imprensa de objetivos muito duvidosos e de políticos fracassados e ambiciosos como Paul Boncour, palhaço desgrenhado de Paris, Don Juan gasto e desaparecido dos subúrbios genebreses; ou como Anthony Eden, longo guarda-chuva pintado de Londres; e, acima de tudo, como Churchill.

A este eu conheci naquela época nos Comuns. Era muito discutido e estava desacreditado. De humor amargo quando tinha o estômago seco (o que ocorria raras vezes), os dentes tortos entre suas bochechas de bulldog demasiadamente gordas, mal se prestava atenção. Somente uma guerra poderia ainda oferecer-lhe a última ocasião de chegar ao poder. E ele se agarrou ardentemente a esta oportunidade.

Mussolini, até seu assassinato em abril de 1945, continuou sendo, no fundo, anti-alemão e anti-Hitler, apesar de todos os testemunhos de afeição que este lhe esbanjou. Com seus olhos negros, brilhantes como bolas de azeviche, o crânio tão liso como o mármore de uma pia batismal, os rins arqueados como um líder de fanfarra, havia nascido para dar o espetáculo de sua superioridade. Na verdade, Mussolini enfurecia ao ver que Hitler dispunha de um melhor instrumento humano (o povo alemão, sério, disciplinado, não pedia excessivas explicações) do que ele conduzia (o encantador povo italiano, se deleitava com a crítica, era frívolo como uma cotovia que se deixa levar pelo vento).

Deste mau humor fluía devidamente um estranho complexo de inferioridade que foi agravado cada vez mais pelas vitórias de Hitler, quem, até finais de 1943, ganhava sempre, pese aos riscos incríveis aos que enfrentava.

Ao contrário, Mussolini, chefe de estado excepcional, não tinha mais vocação de homem de guerra que um guarda rural de Romagna. Em resumo, tais como homens, Hitler e Mussolini eram diferentes.

O povo alemão e o povo italiano eram diferentes.

E quanto a doutrinas, o Fascismo e o Nacional-Socialismo eram bastante diferentes.

Não lhes faltavam pontos de contato no terreno ideológico, o mesmo que na ação, porém, também existiam oposições que o eixo Roma-Berlim atenuou em seu começo, mas que a derrota, afetando a Itália em seu sangue e em seu orgulho, haveria de ampliar e reforçar.

Se os dois principais movimentos fascistas da Europa, que haviam se erguido ao poder em Roma e em Berlim e que dominavam o continente desde Stettin à Palermo, aparecem já tão distintos um do outro, que ocorrerá quando se considera os outros fascismos surgidos na Europa, fosse em Holanda ou em Portugal, em França, em Bélgica, em Espanha, na Romênia, na Noruega, em qualquer outro país?

O fascismo romeno era em essência quase místico. Seu chefe, Codreanu, chegava montado a cavalo, vestido de branco, às grandes assembleias de mesas romenas. Sua aparição quase parecia sobrenatural. Talvez, era por isso que se lhe chamava o Arcanjo. A elite militante de seus membros levava o nome da Guarda de Ferro. A palavra era dura, como eram duras as circunstâncias de seu combate e os métodos de sua ação. As penas das asas do Arcanjo estavam muitas vezes salpicadas com dinamite.

Contrariamente, o fascismo de Portugal era desapaixonado, como era seu mentor, o professor Salazar, um cérebro que não bebia, não fumava, que viva em uma cela monástica, vestido como um clérigo, que fixava os pontos de sua doutrina e as etapas de sua atuação com a mesma frieza com que teria comentado as Pandectas.


Corneliu Zelea Codreanu, líder da Legião de São Miguel Arcanjo

Também na Noruega era outra coisa. Quisling era tão alegre como um coveiro. O recordo ainda, a face inchada, o olhar taciturno, melancólico, quando, como Primeiro Ministro, me recebeu em seu palácio de Oslo, ao pé de um pátio de honra onde um rei de bronze, verdejante como um repolho, brilhava, orgulhosamente, uma fronte coberta de dejetos de pássaros. Quisling, apesar do contável aspecto de descontentamento de sua feição, era tão militar como Salazar o era pouco. Apoiava-se em umas milícias cujas botas eram muito mais brilhantes que a doutrina.

A própria Inglaterra tinha seus fascistas, capitaneava-os Oswald Mosley. Contrariamente aos fascistas proletários do Terceiro Reich, os ingleses eram, em sua grande maioria, fascistas aristocráticos. Suas manifestações agrupavam milhares de membros da Gentry [N.T.: pequena nobreza], vindos para ver o que podiam ser aqueles fenômenos distantes e fabulosos aos que se chamavam trabalhadores (havia, todavia, certo número deles no grupo de Mosley). Os auditórios estavam coloridos pelos tons vivos e vistosos de garotas elegantes, apertadas em suas finas roupas de seda; o conteúdo e o continente eram encantadores. Muito estimulante e atrativo este fascismo! Acima de tudo neste país no qual os longos e finos cabides do mundo feminino tem tantas vezes aparência de plantações de lúpulo.


Oswald Mosley, líder da União Britânica de Fascistas

Mosley me convidou para almoçar em um antigo teatro abandonado inclinado sobre o Tâmisa, onde recebia a seus hóspedes atrás de uma mesa de madeira branca. Era austero e beato à primeira vista. Porém em seguida, apareceram criados perfeitos, e a louça em que se servia era de ouro!

Ao lado do Hitler proletário, do Mussolini teatral, do Salazar professoral, Mosley era o paladino de um fascismo bastante fantástico que, por muito extraordinário que pareça, coincidia com os modos britânicos. O inglês mais rígido tende a exibir uma série de manias muito pessoais, seja em política ou em vestuário. Mosley fornecia mais uma, como Byron ou Brummel haviam fornecido as suas em tempos passados, e como os Beatles fariam também mais tarde. O próprio Churchill tendia a distinguir-se nesse particular, recebendo a importantes visitantes completamente nu, com a majestade morcillera [N.T.: Produtor ou vendedor de morcillas, espécie de embutido] de um Baco britanizado, envolto apenas na fumaça de seus charutos cubanos. O filho de Roosevelt, enviado a Londres durante a guerra para uma missão, achou que morreria sufocado quando viu avançar até ele um Churchill em traje de Adão, a barriga fofa, inchado como um taberneiro gordo que acabara de lavar o traseiro em uma banheira de zinco na tarde de sábado.

Em uma atitude oposta, o Mosley de antes de 1940, o fascista impecável, coberto com chapéu cinza em lugar de um elmo de aço, armado com um guarda-chuva de seda em vez de uma clava, não saía demasiado da linha da excentricidade britânica.

Porém, o fato de que os ingleses, solenes como porteiros de um palácio e conservadores como motores de Rolls Royce, se deixaram arrastar, também, pelo fluído dos fascismos europeus de antes de 1940, diz até que ponto o fenômeno correspondia na Europa a um estado de espírito geral.

Pela primeira vez desde a Revolução Francesa, pese a diversidade dos nacionalismos, idéias ardentes e um ideal ardente causavam reações idênticas. Uma mesma fé brotava, ao mesmo tempo, de um extremo a outro do velho continente, fosse em Budapeste, em Bucareste, em Amsterdã, em Oslo, em Atenas, em Lisboa, em Varsóvia, em Londres, em Madrid, em Bruxelas ou em Paris.

Em Paris, não somente as erupções de ação fascistas possuíam suas próprias características, mas que, também, se decompunham em suas múltiplas divisões de tendência dogmática, com Charles Maurras, velho folião, completamente bravo, surdo como um devedor, pai intelectual de todos os fascismos europeus, mas limitando o seu ciosamente ao estrito recinto francês; de tendência militarista, com os antigos combatentes de 1914-1918, emotivos, ferozes, sem idéias; de tendência mesocrática, com as Cruzes de Fogo do coronel de La Rocque, que adorava repetir com os civis as grandes manobras e as inspeções do quartel; de tendência proletária com o Partido Popular Francês de Jacques Doriot, antigo comunista de óculos, realçando em sua propaganda de seus grandes sapatos, de seus suspensórios, do avental de cozinha de sua mulher, para conquistar o povo, um povo que lhe foi relutante, em seu conjunto, depois de um discreto êxito inicial; de tendência ativista e cheirando a pólvora com os carrascos de Eugenio Deloncle e de José Darnand, duros, fortes, que dinamitavam com entusiasmo, em plena Paris, os centros adormecidos dos grandes capitalistas, para tirá-los de seu entorpecimento dourado com o estrondo. Deloncle, politécnico genial, seria eliminado pelos alemães em 1943 e José Darnand, pelos franceses de 1945.


Charles Maurras, líder da Action Française

Esta superabundância de movimentos fascistas parisienses, teoricamente paralelos e praticamente rivais, dividia e desorganizava as elites francesas. E isto conduziria, ao cair do dia 6 de fevereiro de 1934, às manifestações sangrentas da Praça da Concórdia de Paris, sem que o poder, agachado nas trincheiras do pânico, fosse pegue por um só dos direitistas que haviam vencido nas ruas.

O grande homem daquela noite se chamava Jean Chiappe, chefe de polícia de Paris, destituído pelo governo de esquerda. Era um corso inconstante, que levava na lapela uma roseta da Legião de Honra do tamanho de um tomate, brigão apesar dos calcanhares sobrepostos que o faziam parecer que estava em cima de um banquinho. Apesar de seu aspecto jovial, vivia com a apreensão de mil enfermidades imaginárias. Alegando ter reumatismo, não saiu em 6 de fevereiro com os manifestantes. Acabava de tomar um banho quente, se preparava a ir para a cama, já de pijamas. Apesar das censuras cada vez maiores e mais indignadas de seus partidários, não quis se vestir novamente. Não tinha mais que atravessar a rua para sentar-se no assento abandonado do Eliseu!


Jacques Doriot, político comunista, líder do Nacionalista Parti Populaire Français e um dos fundadores da Legião de Voluntários Franceses conta o bolchevismo

Em 1958, o general De Gaulle, diante do mesmo assento, não seria tão rogado. Entre estes múltiplos partidos fascistas, franceses, o denominador comum antes de 1940, era a confusão.

Na Espanha, o general Primo de Rivera havia sido, antes que muitos outros, um fascista à sua maneira, fascista monárquico. Muitos cortesãos de palácio, especialistas em trapaças, escorregadios como enguias, ocos como tubos, lhe espreitavam. Muito poucos proletários lhe apoiavam, proletários de coração simples e braços fortes que poderiam perfeitamente seguir a um Primo de Rivera lançado à reforma social de seu país, melhor que se alinhar atrás dos pistoleiros e incendiários da Frente Popular. Os conspiradores do palácio esterilizaram esta experiência associando-a com a liga dos preconceitos de uma aristocracia de salão, vaidosa e politicamente esterilizada desde há vários séculos.

José Antonio, filho do general destituído e morto em Paris pouco tempo depois, era um orador inspirado. Havia compreendido, apesar de sua herança burguesa, que o essencial do combate político de sua época residia no feito social. Seu programa, sua ética, seu magnetismo pessoal lhe permitiu recuperar milhões de espanhóis que sonhavam com uma renovação de seu país, não somente quanto à grandeza e a ordem, mas, sobre tudo, quanto à justiça social. Infelizmente para ele, a Frente Popular havia minado o terreno por todas as partes, inflamado as mesas, elevado entre os espanhóis as barreiras do ódio, do fogo e do sangue. José Antonio podia ter sido o jovem Mussolini da Espanha de 1936.


José Antonio Primo de Rivera, líder da Falange Espanhola

Este esplêndido rapaz havia abreviado seu sonho àquele mesmo ano por um pelotão de execução em Alicante. Suas idéias marcaram seu país por um longo tempo. Animaram centenas de milhares de combatentes e militantes. Inclusive renasceram, revivificadas pelos heróis da Divisão Azul, entre as neves sangrentas da frente russa, contribuindo para a criação da nova Europa de então.

Como se vê, a Espanha de 1939 não era a Alemanha de 1939.

Tão pouco o coronel de La Rocque, em Paris, duro como um metrônomo e com o espírito imóvel como asfalto moldado, não era o sósia do Dr. Goebbels, vivo como um foto-jornalista; tão pouco Oswald Mosley, o refinado fascista de Londres, era ele um alter ego do denso doutor Ley de Berlim, roxo como um barril de vinho novo.

Não obstante, uma mesma dinâmica trabalhava entre as mesas de todos os países, uma mesma fé os inflamava, um mesmo substrato ideológico, substancialmente semelhante, se observava em todos eles. Tinham em comum as mesmas reações frente aos velhos partidos esclerosados, corrompidos por compromissos sórdidos, desprovidos de imaginação, que não haviam contribuído, em aspecto algum, em soluções sociais, valentes e verdadeiramente revolucionárias, tanto que o povo sobrecarregado por horas de trabalho, pago miseravelmente (seis pesetas por dia sob a Frente Popular!), sem proteção suficiente contra os acidentes de trabalho, as enfermidades, a velhice, esperava com impaciência e angústia ser tratado, de uma vez, com humanidade, não só material, mas também moralmente.

Sempre me recordarei do diálogo que ouvi então em uma mina de carvão, a mesma que deixou cair o rei dos belgas:

– O que é que desejas? – perguntou o soberano, com certo olhar, cheio da melhor intenção, a um mineiro enegrecido de fuligem.
– Senhor – respondeu esse, – o que nós queremos é que nos respeite…

Este respeito ao povo e aquela vontade de justiça social se aliavam, no ideal fascista, com a vontade de restaurar a ordem no Estado, à continuidade no serviço à nação e à necessidade de elevar-se espiritualmente.

Ao longo de todo o continente, a juventude repudiou a mediocridade de seus políticos profissionais, notórios mentecaptos, sem formação, sem cultura, eleitoralmente apoiados sobre cabarés e sobre semi-notáveis cercados por mulheres de personalidade fechada.

Aquela juventude queria viver para se dedicar a algo grande e puro.


Léon Degrelle, líder do movimento Christus Rex

O fascismo havia nascido em toda a Europa espontaneamente, com formas muito diversas, desta necessidade vital, total e geral de renovação: renovação do Estado, forte, autoritário, com tempo para cumprir seus fins e possibilidade de cercar-se de homens competentes, de escapar aos riscos da anarquia política; renovação da sociedade, liberada do conservadorismo asfixiante de uma burguesia engessada e de pescoço duro, sem horizonte, inchada de ricos mantimentos e de vinhos demasiadamente antigos, fechada intelectual, sentimental e, acima de tudo, financeiramente a toda idéia de reforma; renovação social ou, mais exatamente, revolução social, liquidando o paternalismo tão querido pelos magnatas que julgavam ser generosos a baixo custo e que preferiam ao reconhecimento dos direitos da justiça, a distribuição condescendente de caridades limitadas e devidamente proclamadas; revolução social que devolveria ao capital seu papel de instrumento material, e que fizesse que o povo, substância viva, voltasse a ser a base essencial, o elemento primordial da vida da pátria; renovação moral, por fim, ao ensinar a uma nação, sobre tudo a sua juventude, a elevar-se e doar-se.

Entre 1930 e 1940, não houve nenhum país na Europa que escapasse deste chamado.

O chamado representava nuances distintas, orientações distintas, mas possuía, política e socialmente, bases muito semelhantes, o que explica como se criou rapidamente uma surpreendente solidariedade: o francês fascista, assistia, inicialmente inquieto mas depois entusiasmado, aos desfiles dos camisas pardas em Nuremberg; os portugueses cantavam a “Giovinezza” dos balillas, do mesmo modo que o sevilhano cantava a Lili Marlene dos alemães do norte.

Em meu país, o fenômeno surgiria como nos demais, com suas características próprias, que culminariam em torno de poucos anos nos elementos unificadores surgidos da Segunda Guerra Mundial nos diversos países europeus.

Eu era, naquela época, um adolescente. No verso de uma foto havia escrito (então, já deixava a modéstia à parte): “Eis aqui minhas facções, mais ou menos verdade; porém o papel não mostra o incêndio interior que abrasava e abrasa brilhante e triunfador, e eclodirá amanhã, como uma tempestade”.

A tempestade, levava-a dentro de mim mesmo. Porém, quem mais o sabia? No estrangeiro ninguém me conhecia. Eu tinha o fogo sagrado, porém não dispunha de nenhum apoio que pudesse me assegurar um grande êxito com rapidez. Entretanto, me bastaria apenas um só ano para reunir centenas de milhares de discípulos, para romper em pedaços a tranquilidade sonolenta dos velhos partidos e para enviar ao parlamento belga, de um só golpe, a trinta e um de meus jovens camaradas. O nome do REX seria revelado em poucas semanas, na primavera de 1936, ao mundo inteiro. Eu chegaria a tocar com as mãos o poder aos vinte e nove anos, idade em que normalmente os jovens se dedicam a tomar um aperitivo em um terraço e acariciam as mãos de uma bela jovem com os olhos emocionados.

Tempos prodigiosos nos quais a nossos pais não lhes restava outro remédio a que nos seguir, nos quais por todas as partes jovens com olhos e dentes de lobo, se lançavam, lutavam, ganhavam, se preparavam para mudar o mundo.

Extrato do segundo capítulo do livro “Hitler por mil anos”, escrito por Léon Degrellé em finais dos anos 60.

Fonte: http://www.elministerio.org.mx/blog/2013/07/degrelle-europa-fascista/

Tradução livre e adaptação por Viktor Weiß

O mesmo clima começa a existir novamente – viver para se dedicar a algo grande e puro – e a tendência é que este sentimento aumente. O descaso que os ditos “DEMOcratas” lidam com a coisa pública, em contraste com sua impressionante vontade em valorizar tudo que é degenerado; a inversão dos valores, onde os interesses individuais sobrepõem ao interesse da coletividade; a exploração da população através da sua escravização através dos juros bancários; a crescente barbárie urbana presente nas ações corriqueiras do dia-a-dia, no trânsito, na procura do lucro a qualquer custo; a transformação da personalidade humana em meros organismos vivos condicionados ao consumo mecânico. Inevitável, todas estas ações geram uma reação. Uma lei natural